9º Dia - 17 de Setembro de 2002 – 3ª Feira
Astorga – El Acebo - 37,3km
Depois da minha primeira noite no Caminho Francês, já notei algumas das diferenças que vou enfrentar nos próximos dias.
Alvorada às 06h00! Acendem-se as luzes dos corredores e começam todos a levantarem-se. Bem, todos, não…
Isto lembra-me as peregrinações a Fátima (que nunca fiz) em que os peregrinos caminham de noite e dormem de dia.
Aqui paga-se pela noite. 3 euros. Compreendo que, com este movimento, os albergues não possam funcionar com apenas donativos, pois os gastos são imensos, mas já me dá uma certa nostalgia do “meu Caminho”. Aqui, tudo é diferente.
Saio para a rua. Ainda é de noite… Atravesso a praça e vou tomar o pequeno-almoço na “Taberna”. Peço um café com leite e umas margaridas. Dizem-me logo que isso não há cá. Têm os doces típicos de Astorga: Mantecadas (não comi, parecem as nossas queijadas) e Hojaldres de Astorga. Estas últimas, únicas, que estão a aguardar um reconhecimento de Indicación Geográfica da União Europeia.
Opto por este último. Tão doce, tão doce, mas tão doce, que se tornam extremamente enjoativos, com um molho que… ufa, logo de manhã… Fiquei mesmo enjoado.
Passo por Santa Catalina de Somoza e a seguir chego a El Ganso. Aqui a atração é um bar “Cowboy” onde param todos os peregrinos. As suas paredes são um museu vivo do Caminho. Espectacular. Vejo um quadro de um scanner feito a uma credencial de um peregrino que fez o Caminho sozinho e a pé, sem carro de apoio. Desde França, o que perfaz cerca de 770Km. Até aqui nada de novo. Muitos peregrinos o fazem. Mas este fez em 12 dias, enquanto geralmente se faz em 28-29 dias!!! Incrível!!
Santa Catalina de Somoza
Meson (Bar) Cowboy em El Ganso
10 da manhã e já fiz quase metade da jornada do dia. E que dia difícil se prevê porque vou entrar nas montanhas, ou melhor, nos Montes de León.
Os Montes de León
As coisas são agora diferentes no Caminho. Há setas com 2 metros de comprimento a informar o Caminho. Aqui ninguém se perde. Além de estar sempre a ver peregrinos, há sinalização por todo o lado. Isto aqui parece Picadilly Circus ;-)
São 13h30 e cheguei a Rabanal del Camino. Faz-me lembrar o Piodão, na Serra do Açor. Uma pequeníssima aldeia. Lindíssima. Posso afirmar que as planícies acabaram. A partir daqui vamos entrar em ambiente de montanhas, nos Montes de León. Encontro muitos rostos conhecidos do albergue de Astorga e que vão ficar aqui a dormir.
Rabanal del Camino
Estas pessoas caminham em grupo e isso é muito diferente do que caminhar sozinho. Entre outras, há um espírito de convivência que lhes permite ficar uma tarde inteira a descansar em Rabanal del Camino. Vejo grupos a comprar comida para irem fazer uma petiscada. Umas garrafas de vinho. Uns doces.
Reparo que quase não tenho dinheiro. Não há caixa multibanco e, pelo que me apercebo pelo guia, hoje até ao final do dia e a manhã de amanhã, não terei hipótese de levantar dinheiro. Ops. Comprei hoje um bocadillo (sandes grande) e comi metade. Assim, a outra metade será o meu jantar e o pequeno-almoço de amanhã serão duas barras energéticas que ainda tenho na mochila. Quanto aos líquidos, vivam as fontes!!
Assim, decido continuar. A jornada de hoje era suposto terminar aqui, fazendo cerca de 20km, mas vou fazer 37km até El Acebo. E não me vou arrepender.
O Caminho continua a subir. Muito. Muito mesmo. A minha vivência na Serra da Estrela ajuda-me sobremaneira nestas rampas.
Passo por Foncebadón. Quase desértico. Algumas ruínas e um albergue de montanha.
Continuo a subir até à Cruz de Hierro fica a cerca de apenas 2km.
Cruz de Hierro
Começa a chover. Agora é que vai ser mau, pois estou no cimo da montanha, sem abrigo. Ops.
Caminho chegando a Manzarín
Manzarín, O Último Templário
São 16h30 e estou a passar junto ao ponto mais alto da jornada 1527m junto ao Quartel Militar de Manjarin del Bierzo. Não está nada fácil. Chove. Muito nublado. Caminho no meio das nuvens. Estou sózinho na montanha e ainda falta um bom bocado.
A cantar, a cantar
Nós vamos a Santiago, vamos
Nós vamos a Santiago, vamos
Estou a chegar a El Acebo onde existe um albergue municipal, mas só tem água fria. Na Via da Prata isso seria bom, mas aqui, na montanha… Com o frio que está aqui à noite, a água deve sair em cubos de gelo. Vou tentar o albergue privado. Paga-se 3 euros, que é o dinheiro que tenho.
No albergue privado, sou muito bem acolhido. A sala de entrada/bar/restaurante está cheia de peregrinos. O ambiente que se vive é extraordinário e não dá para descrever. Só vivendo-o.
As camas ficam no 1º andar.
Falo com a estalajadeira que me informa ter multibanco. Uau!! Já posso jantar!!!
Rua principal de El Acebo
Monumento de homenagem a um peregrino em bicicleta - alemão - que aqui morreu, à saída de El Acebo