7º Dia - 15 de Setembro de 2002 – Domingo

Alija del Infantado – La Bañeza - 21,6km

 

 

O dia mais difícil do Caminho. Pronto. Neste momento ainda não o sabia, mas este viria a ser o dia de maior sofrimento do Caminho. Pelo cansaço, pelas dores na perna devido ao peso excessivo da mochila, pelo calor.

 
O pé continua a doer e tenho de mudar de botas para não massacrar sempre no mesmo local. Vamos ver como corre o dia, hoje que até é uma pequena jornada.
 
Conheci a Srª Maruca hoje de manhã, visto ela e o marido, Sr. Amando, terem ido ao albergue saber se estava tudo bem e se era necessário algo. Uma simpatia de pessoas, que levo no coração.
 
Havia a possibilidade do Luís Coelho e do Nuno virem ter comigo ao Caminho e fazermos o restante juntos, mas afinal, tal como suspeitava, já não vêm. Isto vai ser mesmo “only one man show”.
 
A jornada de hoje leva-me até La Nora del Rio por alcatrão, mas a partir daí será sempre em trilho até La Bañeza.
 
Estou muito cansado. A mochila pesa toneladas e o cansaço passou a sacrifício. Estou a poucos quilómetros de La Bañeza e não sei como irão ser os restantes 11 dias até Santiago. Estou de rastos.
 
 

O facto de estar na Via da Plata também não ajuda. Já li que a pior parte do Caminho é a travessia dos Pirinéus, no Caminho Francês. Não sei. Quem escreveu isso não deve ter feito a Via da Prata. Quilómetros e quilómetros de rectas, sem uma única árvore, sem nada de apoio como existe no Caminho Francês. Aqui somos nós por nós. Mas também acho que é o Caminho ideal para um alentejano fazer, pois a travessia destas planícies não é para todos.

 
Já decidi que vou deixar no albergue de La Bañeza metade da “tralha” que trago comigo. Estou a caminhar como um morto-vivo. Já não vejo nada. Só olho para o trilho e caminho. Não consigo pensar.
 

Tenho o pé numa lástima e neste momento, ou alivio a carga para recuperar o pé ou tenho de desistir do Caminho.

 

Com estas opções em mente, não demoro muito tempo a pensar. Vai ficar tudo no albergue – tenda, fogão, botijinha de gás, comida, talheres, pratos, talheres, etc. Vou continuar o Caminho com apenas o essencial: roupa e 1ºs socorros.

 

Basicamente o Caminho está-me a colocar duas opções: ou escolhes o mundo material, guardas tudo contigo e vás para casa; ou escolhes o mundo espiritual, deixas tudo o que tens de supérfluo a mais e vais até Santiago.

 

Hoje andei de carro. Quando cheguei a La Bañeza dirigi-me à igreja de San Salvador. É o que resta do Mosteiro de San Salvador do Séc XX e destruído em parte por Almanzor.

 

 

 

Iglesia de San Salvador

 

A igreja estava fechada. Falei com umas pessoas que me disseram que o Cura (Padre) se chama Artur Cano e que vive numa casa mesmo por detrás da igreja.

Fui até lá e bati à porta. Ele apareceu e cumprimentou-me com um – Olá Peregrino! Como tu vens!!
Isto atesta bem o meu estado físico na altura…
É uma pessoa fantástica, muito ligado ao Caminho de Santiago e conta-me que já fez o Caminho Português diversas vezes, geralmente a partir de Vila Nova de Gaia.
 
Foi então que ele me levou até ao albergue. De carro!! Já nem sabia como entrar num carro!!
 
O albergue tem todas as condições: mesas, frigoríficos, televisão, duas salas com cerca de 20 camas cada (camas de hospital, elevatórias, que dão muito jeito para levantar e descansar os pés), etc, etc. Este albergue pertence à Associação do Amigos do Caminho de La Bañeza.
 
Mas eu era o único peregrino. Não havia mais ninguém no albergue. Então ele, quando se despede, dá-me a chave do albergue para eu poder sair e entrar quando quiser e pede-me apenas que no dia seguinte deixe o albergue tal como o encontrei. A chave pode ficar na porta que ele depois vem recolher. Pois. Assim mesmo. Mal sabia ele que eu não ia deixar o albergue como o deixei, mas com muitas mais ofertas…
 

Passeio um bocado por La Bañeza. Noto uma diferença na Plaza Mayor. Aqui, tem uma rotunda no centro e tráfego automóvel, que é coisa que não estou habituado nestas praças centrais das povoações.

 

 

 

Plaza Mayor en La Bañeza

 

 

 
Pelas 9h30 da noite decido ir deitar-me. Embora amanhã sejam apenas 24km, tenho 14km de Caminho sem nenhuma povoação. Por isso devo almoçar uma barras energéticas, que são as ultimas coisas com que fico na mochila.
 
Este albergue é o melhor da Via da Prata (que eu tenha conhecido, embora ouça dizer outras pessoas isso mesmo). Tem 40 camas. Amanhã, em Astorga entro no Caminho Francês. Lá o albergue tem 400 camas! Que diferença vai ser a partir de amanhã!
 

O Polaco que esteve comigo em Riego del Camino continua a caminhar, pois já aqui passou e escreveu no livro de visitas. Deve ser ele, pois com tão poucas pessoas a fazer a Via da Prata, seria uma coincidência enorme ser outro polaco.

 

Fica a promessa de fazer um site na internet com o relato das experiencias e conselhos a futuros peregrinos. (Passarão 7 anos até que inicie…)

 
Amanhã chego ao Caminho Francês com a chegada a Astorga. Objectivo: chegar a Astorga. Só e apenas. Depois lá, logo se vê. Um dia de cada vez.
 
 

Nota do autor em 2009:

Só em Portugal soube que tinha tido uma fractura de esforço. Logo nos primeiros dias, a dor intensa que tinha no pé era devido a uma fractura por causa do peso excessivo na mochila. Caminhei uma semana, pelo menos, nessas condições, pelo que tentem imaginar o sofrimento por que passei.
 
Depois de La Bañeza, a mochila ficou muito mais leve e o pé começou a recuperar. A partir daí, tudo foi diferente, mas isso contarei nos próximos capítulos…