4º Dia - 12 de Setembro de 2002 – 5ª feira

Zamora – Riego del Camino – 33,3km
 

Hoje sinto-me bem fisicamente. Descobri que não basta apenas limpar as botas e sacudir as pedrinhas. Deve-se também tirar as palmilhas para se limpar por debaixo delas.
Eu limpava as botas, mas não por debaixo das palmilhas. Resultado, tinha a palmilha esquerda a furar com duas pedrinhas que estavam por baixo e que me magoaram bastante e criaram bolhas.
 
A jornada de hoje vai ser longa e continua muito calor.
 
A saída de Zamora não foi nada fácil. Muita confusão com as setas amarelas e andei um pouco perdido. Encontrei 2 ciclistas que também estão a fazer o Caminho e conversei um pouco com eles, que também andavam um pouco perdidos.
 

Cheguei a Roales del Pan onde uma senhora me indicou por onde passa o Caminho e lá fui.

 

Marco da Via da Prata em Roales

 

A paisagem está a mudar. Já começam a aparecer umas subidas e descidas algo pronunciadas.
 

Desde que saí de Portugal não fui à casa de banho. Será que quer dizer que tudo o que ingiro é aproveitado, devido ao enorme esforço diário?

 

Água. Bebo muita água todos os dias. Mesmo muita.

 
Mais 5 ciclistas que passaram por mim antes de chegar a Montamarta. Peregrinos a pé nem vê-los. Se bem que ontem, em Zamora cruzei-me com uma moça, sozinha que caminhava com uma cara de esforço terrível a com uma mochila às costas maior que a minha. Tinha a vieira na mochila, por isso talvez fosse uma peregrina, mas nunca mais a vi.
 

Cheguei a Montamarta e reparo que ao sair da estrada de alcatrão estas pequenas povoações não têm alcatrão. As ruas são em cimento. Grandes lajes de cimento.

 
16h15 – Muito calor. Não há uma única árvore.
 

Atravesso um grande pântano completamente seco. E as setas amarelas teimam em não aparecer. Vou continuando a caminhar sem ter muito bem a certeza de estar  no trilho certo.

Cheguei finalmente a Riego del Camino e dirijo-e à igreja para agradecer mais um dia em segurança. É sempre assim no Caminho. Quando chego à porta sou recebido pelo padre com a saudação: “Olá, Hombre de Dios!”

 

Vou de seguida buscar a chave do “albergue”. Quando lá chego, só penso na máxima “O Peregrino não exige, agradece”.

 

Nada me preparou para o que encontrei.

Numa pequena casa do da povoação, no rés-do-chão funciona um tipo de clube de velhotes. Passam lá o dia a jogar às cartas e a conversar e ver televisão, tipo Centro de Dia.
 

Subindo umas estreitíssimas escadas de madeira chegamos a um tipo de sótão com duas cadeiras de madeira em muito mau estado. Não há camas, nem nada. Nunca deve ter sido limpo. Deve haver por ali ratos às dezenas. É difícil explicar o sítio onde dormi, mas podem ver a foto abaixo...

 
 

A questão aqui é que as pessoas da terra que utilizam aquelas instalações não querem que haja peregrinos a passar ali por dentro para chegarem o sótão, e assim, deixam aquilo naquele estado para “afugentar”.

 
Foi talvez de certeza o ponto mais baixo do meu Caminho.
 
Depois de ver o local, saí e fui até ao único café existente, o “Pepe”.
 
Sento-me ao balcão a beber uma imperial e ao meu lado senta-se um, diria, caminheiro, que fala para o “Pepe” em perfeito castelhano. Depois de falarmos um com o outro é que descubro que afinal ele é polaco. E parco em palavras. Tanto que passado pouco tempo levanta-se e sai. Irá acabar por dormir naquele “albergue”, mas depois levantar-se-á mais cedo que eu, por forma a que quando eu acordo já não o vejo e nunca mais o encontrarei no Caminho.
 
À semelhança do “Jambrina” aqui no “Pepe” também podemos comer. Será obviamente o mesmo que a família do café irá jantar.
 
Acedo. Como um enormíssimo bife de vaca (que, literalmente, não cabe todo no prato), com batatas fritas e salada de tomate acompanhado por vinho tinto “Toro”, da zona de Zamora.
 

Termino com um licor de hierbas (mas sem a potência do outro…). Fica-me tudo por 8,00€, com café e uma imperial, perdão, canha, que bebi à chegada.