18º Dia - 26 de Setembro de 2002 – 5ª feira

Pedrouzo – Santiago de Compostela – 20,1km
 

 

Que dia. O dia.

 

 

Talvez o marco mais bonito do Caminho

 

 
A chegada a Santiago começa por ser um bocado “abaixo das expectativas”.
 
Quando chegamos ao Monto do Gozo, fiquei estupefacto!!! Um albergue para 3000 peregrinos!!! Eu que tinha começado o Caminho com albergues para 3 pessoas…. Parecia-me um campo de futebol, com casernas de um lado e do outro. Impressionante…
 
 

 

Monte do Gozo - Monumento ao Peregrino e ao Papa João Paulo II

 

 

 

Albergue do Monte do Gozo

 

 

A seguir, a entrada em Santiago faz-se rodeando o aeroporto (que bom…), passando depois por cima da auto-estrada. Que bom!! Ou seja, não tem nada a ver com os frondosos bosques, os límpidos rios com que nos acostumámos a apreciar. É a chegada à grande cidade.

 

À chegada a Santiago, eu e o Fernando optamos por nos separar. Cada um quer entrar sozinho. É importante que assim seja. Cada um de nós quer terminar o seu Caminho.

 

Ele vai primeiro e eu, fico um pouco para trás. A aguardar. Aproveito para fumar um cigarro e relatar para o gravador os meus últimos instantes antes de entrar em Santiago. A placa de entrada da cidade está mesmo à minha frente.

 

 

 

Entrada em Santiago

 

Monumento de Boas Vindas ao Peregrino
 
 

Recomeço a caminhar e passo pela Porta do Caminho – a entrada no “casco histórico” – a entrada na zona histórica de Santiago. Entrei realmente em Santiago.

 

 

Porta do Caminho - Entrada no centro histórico de Santiago 

 

 
Praça de Cervantes. Estou mesmo quase, quase a chegar...

 

 

Estou cá. Cheguei. Com saúde e em perfeitas condições. Como deve ser fácil perceber, não consigo explicar o que sinto.

 

Praça da Imaculada - 1ª visão (lateral) da Catedral

 

 

A cor dos edifícios e das ruas é admiravelmente aconchegante. O ambiente que se respira…

 
Ao chegar à Praça do Obradoiro (praça em frente à Catedral) faço-o por umas escadas onde estão uns músicos a tocar música celta-galega com gaita-de-foles.
 
Estou a cerca de 100 metros do destino. Mas não tenho pressa. Quero chegar, mas isso vai significar que cheguei ao fim. E eu não quero chegar ao fim. Faço sentido?
 
A sensação é a mesma de ter estado a passar umas férias num local paradisíaco e não quisesse ir embora, mas por outro lado, com saudades de casa.
 
É uma dicotomia terrível.
 
Fico a ouvir os músicos tocar durante algum tempo. Sem pressa. A saborear cada nota que ouço. Cada som que experiencio. Cada cheiro que consigo absorver.
 

Quero guardar todas estas experiencias na minha memória para nunca mais me esquecer (como se isso fosse possível…).

 

 

A Catedral de Santiago de Compostela

 

 

Vou para a frente da Catedral e dirijo-me ao “quilómetro zero”, que não é mais que uma pedra do chão desta praça com essa inscrição e que simboliza o fim do Caminho.

 

 

O famoso Quilómetro "Zero"

 


Encontro o Fernando. Olhamos um para o outro, sem nada para dizer. Abraçamo-nos fortemente. O Caminho chegou ao fim, e nós sabemos o que isso significa.

A seguir vêm as fotos da praxe, em frente à Catedral. Eu e o Fernando tiramos algumas.

 

Eu, em frente à Catedral de Santiago de Compostela

  

 

Eu e o Fernando Albiol na Praça do Obradoiro (em frente à Catedral)

 

 

O Santo dos Croques é uma pequena escultura que pertence ao pórtico da glória da Catedral de Santiago de Compostela e foi realizada pelo Mestre Mateo. É uma das obras mais queridas e visitadas pela sua uma antiga tradição. Os estudantes da universidade de Santiago têm de bater com a cabeça três vezes nesta escultura para que lhes transmita a sua sabedoria. Esta tradição tem sido adoptada também pelos peregrinos embora já se tenham colocado umas cercas para evitar danos. Encontra-se ao pé da coluna central do pórtico e representa um homem de joelhos, que parece estar a rezar. Está de costas para o resto das esculturas. Segundo a lenda, é o próprio Mestre Mateo arrependido por se ter esculpido ao lado de Deus no Pórtico. Por esta razão, o Bispo mandou criar esta escultura para mostrar o seu arrependimento.

 

Entrada da Catedral - Pórtico da Glória

 

 

Pórtico da Glória - Local onde colocar a mão direita 

 

 

Pórtico da Glória - Com a mão direita no Pórtico, bater com a cabeça

 

 

Chega até nós o “Peregrino” mais famoso da Praça do Obradoiro – Juan Carlos. Atestem bem na foto a semelhança com os bonecos que se vêm à venda por todo o Centro histórico de Santiago. Trata-se de um funcionário da Xunta, ou seja, Região de Turismo, e a sua ocupação profissional é, apenas e só, tirar fotos e conversar com turistas e peregrinos. Está sempre vestido com a sua roupa de “peregrino de há muitos anos atrás”e, passado pouco tempo de conversa está sempre a querer ir beber um copo. E nós vamos!
 

Acho que é “tradição”. E se não fosse, íamos na mesma! Eu continuo a achar que os bonecos peregrinos têm todos um nariz avermelhado em homenagem a ele, que anda sempre com os copos…

É um personagem fantástico.

 

 

"Peregrino" Juan Carlos

 

 

A seguir fomos tratar da Compostelana. Não é mais que um comprovativo em como fizemos o Caminho (100km a pé ou 200km de bicicleta ou cavalo). Temos de mostrar a nossa Credencial para verificarem que fizemos o Caminho e depois escrevem o nosso nome em Latim. Não é de forma alguma o objectivo do Caminho, mas é uma boa recordação.

 

 

A minha Credencial - Capa

 

 

A minha Credencial - Página 1

 

A minha Credencial - Página 2

 

 

A Compostelana

 

 

Com tudo isto, não chegamos a tempo à Missa do Peregrino, que acontece às 12h00. As portas da Catedral são fechadas quando começa a missa. Mas também não há problema, pois a nossa missa é apenas no dia seguinte à chegada.
 

Para almoçar vamos até ao “Gato Negro”, uma instituição de tipicidade em Santiago. Mexilhões, amêijoas, pimientos de Padrón, chouriço assado, e sei lá mais o quê, tudo acompanhado por taças de vinho Ribeiro.. Éramos uns 10, e os pratos na mesa eram às dezenas. Nada supera uma refeição de tapas espanholas, no sítio certo. Estava o pessoal de Tenerife – Os Canários – e algum pessoal do grupo de Vitória.

 
Às 19h30 há novamente missa. É quando lançam o botafumeiro (explicarei mais tarde do que se trata). Na missa das 12h00 só o lançam se “for pago”. Esperemos que na nossa missa, amanhã, ele seja lançado.
 
A seguir fomos procurar um hotel para ficar. Há quem opte por ficar no albergue, mas além da limitação do horário – temos de entrar até à meia-noite. Esta é uma noite para estar relaxado e ir dormir quando me apetecer. Já bastam os últimos 18 dias. Pelo que nos dizem, pagámos caro por um quarto duplo (45,00€), mas acho que isso é apenas um ponto de vista. Quem vem habituado aos preços nos albergues não pode comparar com um hotel a escassos 100 metros da Catedral. Pois, claro. Ficamos no Hotel das Artes.
 
Por mais vezes que faça o Caminho, acho que nunca ficarei no albergue de peregrinos em Santiago. Depois de tanto tempo no Caminho, tantas provações, tantas dificuldades, e sabendo que só estou uma noite em Santiago, acho que bem mereço as mordomias de um quarto de hotel.
 
De tarde, ainda vamos até à estação de comboios onde compro o bilhete para Salamanca – 49,00€.

 

Rua de San Francisco - Hotel das Artes à esquerda. Catedral em frente

 

 
Passamos o resto da tarde deambulando por Santiago, comprando alguns “recuerdos”, bebendo umas “copas”. Convivendo.
 
Ficámos um bocado num bar junto à Plaza das Platerias à conversa durante algum tempo com o Xavi, a Judith e o Óscar.
 
Ao jantar vamos até um restaurante que se chama “Via Rápida”. Logo depois do jantar vamos até um pequeno bar com jukebox. Escolhíamos as músicas e até foi bem divertido.
O restante pessoal foi embora. O Xavi e a Judith ainda não tinham decidido se no dia seguinte seguiriam para Finisterra. Os outros, como tinham que entrar no albergue até às 12h00 tiveram de ir embora.
 
Fiquei apenas eu e o Fernando. Enviei um sms ao Manuel. Ele e o pai vinham muito atrasados e ele tinha-nos dito para não contarmos com ele para o almoço, mas que para o jantar ou logo após já contava estar disponível. Como não recebi resposta, fomos comer uns caranguejos acompanhados de uma garrafa de vinho tinto. E a seguir fomos para a “night”…
 
Santiago é uma das cidades universitárias com mais tradição em Espanha. Obviamente que eu e o Fernando vamos desfrutar desta magnífica noite, e como ele dizia – “Ainda por cima, hoje é noite de 5ª feira, que é uma loucura em Santiago. Mas como ainda não começaram as aulas na universidade…”
Eu só digo: - Se Santiago à 5ª feira à noite, sem aulas é assim… Como será quando começarem as aulas?????  Loucura, de certeza…
 
O Caminho está cheio de encontros e desencontros.
Íamos a passear na rua, quando passamos por um bar onde se ouvia David Bisbal. O Fernando, que todo o Caminho falou mal da sua música lá disse: - “Bom, vamos lá entrar”.
Chegados ao balcão ele foi beber Cacique (rum) com cola. Aquilo é intragável!! Bom, lá tive de beber o meu gin tónico. Quando estamos ao balcão, quem entra no bar apinhado de gente? O Manuel.
Perguntamos-lhe como é que ele deu connosco e ele diz-nos que viveu e estudou durante 6 anos em Santiago, pelo que conhece bem a cidade à noite. Foi ao bar de karaoke onde éramos para ir, mas como não nos encontrou, resolveu dar uma volta por esta zona de bares e foi-nos encontrar, vejam bem, num bar em que ele nunca tinha estado.
 
O Fernando estava sempre a falar em irmos a um bar com música celta ao vivo, pelo que o Manuel lá nos levou a um. Passamos um bom bocado à conversa. O Manuel é uma pessoa fantástica e além do mais, posso falar em Português, que ao fim de 18 dias, já aprecio mais…
 
Pelas 3 da manhã damos a noite por terminada.