12º Dia - 20 de Setembro de 2002 – 6ª Feira

Villafranca del Bierzo – O Cebreiro - 30,0km

 

 

Villafranca del Bierzo – 507mt de altitude

O Cebreiro - 1292mt de altitude
 
 
 

Ontem à noite jantei com um dos peregrinos que tinha ajudado durante o dia. Um espanhol, de Alicante, Fernando Albiol. Foi muito bom, pois além de termos uma conversa muito franca houve desde logo uma grande empatia. Uma conversa entre duas pessoas que não se conhecem, que se calhar não se vão ver mais. Sabe-se lá.

Ao chegarmos à camarata perguntei-lhe a que horas ele iria sair no dia seguinte, e ele apenas me respondeu: “Amanhã logo se vê”.
O Caminho é assim. Se o meu Caminho se juntar ao dele, caminhamos juntos. Senão, cada um segue o seu, sendo o mais provável encontrarmo-nos no final da jornada.
 
 

Hoje acordei cedo – segundo os meus horários de caminhada – e às 8h20 já estava a sair de Villafranca del Bierzo. Não é normal começar tão cedo. Geralmente por esta hora ainda estou para sair do albergue, tomar o pequeno-almoço e só depois começar a caminhar.

A jornada de hoje começou com uma subida bem acentuada. O meu pé “adorou” o esforço. São agora 09h00 e ele já me dói um pouco. Com o dia que tenho à minha frente (subida ao O Cebreiro) isto não vai ser fácil…
 
A jornada de hoje apresenta duas hipóteses de caminho. Eu optei por passar em Pradela, o que significa que escolhi o trilho de montanha que é muito exigente. Este não era o Caminho original. Os peregrinos, antigamente, não subiam a montanha, antes seguindo pelo vale, num trajecto bem mais acessível.
 

O problema é que as empresas que constroem auto-estradas também gostam mais desses acessos.

Assim, podia optar por passar o dia a caminhar, subindo a montanha, sempre em trilhos de terra, com paisagens lindíssimas e absorvendo o silêncio da montanha, ou optar pelo vale, ao lado da A6 (que liga Madrid à Coruña), pelo alcatrão junto a todo esse caos.
Para mim, a escolha foi fácil e bastante óbvia...

 

No cimo da montanha encontrei a Katrine. Pelas 13h00 encontrei o Fernando.

 

 

Por terras de Pradela

 

 

Depois tivemos de descer e seguir um pouco pelo vale até “atacarmos” a subida ao Cebreiro.
 

A subida foi verdadeiramente desgastante. O facto de viver e estar habituado a caminhar na montanha foi uma grande ajuda. Em Villafranca estava a cerca de 507 mts de altitude – subi aos 938 em Pradela – desci aos 590 em Trabadelo e subi aos quase 1300 no Cebreiro. Chiça!!

 

 

O Cebreiro está ao fundo, no cimo da montanha, escondido pelas nuvens

 

 


A chegar a La Faba
 
 
 
Em La Faba - Que duros seriam os próximos 4km...
 
 
 
Saindo de La Faba e continuando a subir
 
 
 
Em Laguna
 
 
 
Vistas a partir de Laguna
 
 
Durante a subida, um primeiro momento muito emblemático: a entrada na Galiza. Quase nem conseguia respirar de tanto cansado que estava. (Já viram bem na foto o tamanho da minha mochila? Ufa!!).
 
 
Por fim, a entrada na Galiza
 
 
 
A Galiza
 
 
 
Chegando ao Cebreiro, olhando toda a jornada de hoje. Desde o fundo do vale até aqui...
 

 
Fiz a subida com o Fernando. Foi extremamente extenuante. Ele estava muito mal do joelho. Como ele estava sempre a dizer: “Joder!! Doi mi rodilla!!!” (Não traduzo…).
 

Vistas do alto do Cebreiro
 
 

 

 

Não consigo descrever por palavras o que sinto ao chegarmos ao Cebreiro. Têm mesmo de fazer o Caminho. É uma sensação indescritível. O esforço dispendido neste dia. As dores. Mas quando aqui chegamos e olhamos para trás, para o grandioso vale que hoje percorremos…

 

O tempo está muito nublado. O tempo típico da Galiza. Aquela chuvinha “molha tolos”.

 

 

O Cebreiro


 

 O Cebreiro é uma aldeiazinha minúscula no alto da montanha. As casas são todas em pedra. Atestem os topos de algumas. Parece que estamos numa aldeia construída de propósito para turistas. A beleza simples e honesta desta terra cativam os corações.

 

 

 

Palloza

 

 

Vista de TODA a aldeia do Cebreiro

 

 

O Cebreiro no inverno

 

 


 
 

Seguimos até ao albergue para o check-in, duche, massagens nas pernas e pés com cremes, descanso de 30 minutos com os pés elevados. O ritual habitual ao final de cada dia.

 

 

Albergue - as vistas são absolutamente revigoradoras

 

 

Depois saímos para visitar a aldeia. Não precisamos de andar muito, mas temos muito para absorver. O ar gélido da montanha que se abate sobre nós. O vento a uivar. Vamos até à  Iglesia de Santa María la Real.  Quando entro, o cheiro a espiritualidade envolve-me. Sento-me a rezar e a agradecer ao Apóstolo por mais um dia em segurança e livre de enfermidades. Este é também um ritual diário.

 

Tomo conhecimento com o Mistério do Santo Graal que repousa na Capilla del Santo Milagro, nesta igreija.

 
 
O Milagre Eucarístico do Cebreiro
 

Inverno de 1250. Caía um forte temporal e o sacerdote já pensava que ninguém viria à missa, quando um camponês, Juan Santín de seu nome, de uma terra que fica a cerca de 1km de distância – Barja-Mayor,– se dirigiu ao Cebreiro para escutar a missa, como de costume.

O sacerdote ao vê-lo murmurou com desprezo: “Como vem este homem debaixo desta tempestade, cansado, apenas para ver um pouco de pão e vinho!”
Na missa, no momento da consagração o pão e vinho converteram-se em carne e sangue.
Os Reis Católicos de Espanha, peregrinos em 1486, quando conheceram o milagre doaram o relicário que se encontra junto ao cálice. Também se encontram aqui os restos mortais do sacerdote e do camponês.
Este milagre é corroborado por diversas fontes históricas e arqueológicas.
 
 

Iglesia de Santa María la Real
 
 
 
 
Capilla del Santo Milagro
 

 

Ao final do dia, eu, o Fernando e a Kristen jvamos até um bar num local fantástico, muito típico no Cebreiro. As mesas estão cheias. O Fernando conhece uns peregrinos que estão noutra mesa e fazem-se muitos brindes, com vinho Ribeiro, um vinho branco galego que nos acompanhará na Galiza, servido em taças baixas e largas.

O jantar é fantástico. Começou com Caldo Gallego, uma espécie de sopa de legumes grosseiramente cortados com pedacinhos de carne.

A seguir comemos jamón (presunto), mas de uma forma a que não estou habituado. Este é curado durante apenas 1 mês e agora foi cozido e acompanhado com batatas fritas. Tudo regado, obviamente com mais uma garrafa de vinho Ribeiro.


Samuel, Kirsten e Fernando

 

De volta ao albergue. Vou deixar a roupa toda a secar. Só espero que não chova durante a noite.

Para amanhã prevê-se um dia calmo, com uma jornada de cerca de 20km.

 

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Nota em 2010:

O Fernando Albiol e a Katrine tornaram-se nos meus melhores amigos no caminho. Correspondi-me com a Katrine  por email durante alguns anos, mas agora perdi o seu contacto. Com o Fernando perdi o contacto durante anos e foi através de uma pesquisa no Facebook que o reencontrei em 2009!!